ANTÔNIO CARLOS ELIAS

Contratempo ou Locus suspectus.

On the exhibition Urômelos, Coelhinhos e Quimeras: Trabalhos Recentes de Antônio Carlos Elias.

(Texto para parede de exposição)

Uma vez que se põe o olhar sobre o que Antônio Carlos Elias produz, algo muda no território das certezas. Ao olhar para o que o artista faz, não há mais volta. É como se alguma coisa saísse do registro habitual e entrasse em um espaço anacrônico, lançando-nos em direção a um universo paralelo, a uma realidade outra. Talvez estes trabalhos suscitem uma sensação parecida com aquela vivenciada pela criança que fomos – narrada por Jorge Luis Borges e Margarita Guerrero em seu Manual de Zoologia Fantástica – que, em sua primeira visita a um jardim zoológico, vê animais nunca vistos antes e que, ao invés de sofrer com o terror com que tal jardim esquisito possa suscitar, a criança dele gosta, impelindo os autores da narrativa que envolve o contato entre o real e o fantástico, a formularem a seguinte indagação: como explicar esse fenômeno comum e, ao mesmo tempo, misterioso?

Esta exposição apresenta um conjunto de trabalhos realizados desde 2015 e que parece ser um novo ponto da trajetória de Elias. O que poderia ser uma mostra retrospectiva, dado o tempo de atuação do artista, é o início de uma nova história que rompe com as amarras a um ciclo criativo pré-existente.

Acho oportuno pensar nesta nova fase tendo como referência o conceito de entropia, presente na 2ª Lei da Termodinâmica. Esse conceito é, com frequência, utilizado como parâmetro para abordar as mudanças que ocorrem na produção da arte contemporânea, em grande medida voltada à provocação sobre o equilíbrio dos sistemas.

O conceito de entropia serve, também, como medida para o artista quando, ao olhar para o passado de sua produção artística, entende que algo em sua poética não tem o mesmo sentido, e avista um outro futuro para a sua produção. O caráter entrópico, que entende que as coisas convergem para um fim, é acompanhado por mecanismos autorregulatórios que dão novo ar e sentido ao poético.

A aproximação a essas instalações se faz conhecer como fenômeno e como nômeno: há algo ininteligível por trás do que se vê. Arrisco dizer que aguça um tipo de sensibilidade que Sigmund Freud alocou dentro da categoria do “estranho”, em que algo pode nos parecer familiar e, ao mesmo tempo, assustador: uma paisagem singular que se mostra aos nossos olhos e atinge em cheio os nossos sentidos.

Tentar definir com exatidão a origem da sensação de estranhamento frente a essas instalações parece vão e desnecessário, pois supõe-se que seja a incerteza sobre o que vemos o que mantém a energia vibrante dessas obras. Elas parecem formar um microcosmo fantástico. São como tableaux vivants, mas sem seres humanos representando alguma situação ou vinculados a alguma temporalidade. Neste microcosmo desprendido de alguma narrativa clara, as pinturas, coloridas e vibrantes, povoadas de imagens diversas, parecem lançar para fora do seu espaço bidimensional as esculturas brancas em gesso de Paris (material recorrente para Elias) que, tornadas matéria no campo do sensível, servem como lembrança de que a realidade está mais próxima do sobrenatural do que possamos imaginar.

Seria apropriado dizer que essas instalações são bestiários como apontado por Julio Cortázar em livro homônimo? (“Antes de dormir teve um momento de horror quando imaginou que podia estar sonhando”); uma produção sintomática derivada de uma conjuntura política surreal? Ou são parte das reflexões de um homem das ciências que transita pelo mundo da ficção anímica?